GEAX
Grupo de estudo em agroecologia de Xapuri/AC
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Justificativa para execução do projeto
A agroecologia possui como base diversas áreas do conhecimento, com enfoque científico, teórico, prático e metodológico, que se propõe a estudar processos de desenvolvimento sob uma perspectiva ecológica e sociocultural, de caráter sistêmico e adota os diversos agroecossistemas como unidade de análise, visando apoiar a transição de modelos convencionais de agricultura e de desenvolvimento rural, para estilos de agricultura e de desenvolvimento rural sustentáveis.
O estado do Acre apresenta características edafoclimáticas desejáveis que possibilitam o desenvolvimento satisfatório da agricultura agroecológica. No entanto é necessário mais capital humano para gerar tecnologia e desenvolver a agroecologia no Acre. Vale ressaltar como aspecto positivo no contexto acriano a conservação de áreas florestais e dos modos de vida de povos e populações tradicionais, em um processo de resistência à expansão capitalista.
Os pequenos agricultores de origem seringueira, mais cabocla, costumam manter boa parte de sua área de floresta e não costumam usar agrotóxicos, em contraposição às famílias vindas de outras regiões, onde a “modernização agrícola” se instalou com mais força.
O bioma amazônico apresenta alta diversidade de espécies e grande biomassa vegetal por área. Com a inexistência de tecnologias apropriadas, o manejo de áreas agrícolas na região supõe o emprego de elevada mão-deobra. Assim, os agricultores e agricultoras tradicionalmente realizam o preparo de áreas para o cultivo por meio da derrubada, e posterior queima, que teve sua origem no manejo indígena.
Entretanto, muitas vezes o conhecimento profundo da natureza necessário para o enriquecimento, seleção e manejo da regeneração natural presente na agricultura tradicional do Estado não é valorizado, muitas vezes nem pelos próprios agricultores e agricultoras, o que leva a sistemas de produção de baixa diversidade e a degradação das áreas agrícolas.
O processo histórico e o estado da arte da agroecologia no Acre frente à demanda local de consumidores por alimentos mais seguros e saudáveis foram descritos por Mendes (2008), que analisou os principais fatos históricos da implantação da agroecologia no Acre caracterizando os principais fatos, atores, atividades de capacitação e os investimentos aplicados no setor.
Nesse sentido, cabe chamar a atenção para a importância da soberania alimentar, que é o direito dos povos de produzir seus próprios alimentos de forma independente, diversa, saudável e com qualidade, portanto, é parte de sua identidade e de sua própria vida. Tradicionalmente, a família camponesa semeava em seus campos diferentes variedades locais de cultivo de forma que tinha assim uma garantia de produção mínima em caso que uma praga ou doença atacasse a uma variedade. É notório o papel estratégico das mulheres camponesas no descobrimento, hibridização, seleção, cuidado e intercâmbio de sementes e na construção de um amplo conhecimento acumulado durante milênios, que garantiu a enorme agrobiodiversidade da Amazônia. Contudo, é eminente que a juventude rural como um todo também se aproprie desse conhecimento, o que nem sempre tem sido uma constante no meio rural.
A perda desse conhecimento entre as gerações e, por conseguinte, da própria diversidade genética se traduz em maiores riscos de destruição da colheita em caso de pragas ou doenças específicas. O caso das sementes é o mais extremo, porque passa de ser um bem criado, produzido, melhorado e controlado pelos agricultores e agricultoras de forma local a uma mercadoria controlada e patenteada por um grupo reduzido de empresas multinacionais, o que propõe sérios problemas éticos e sociais, sendo talvez um dos pontos de maior vulnerabilidade desta agricultura, como resultado da homogeneidade genética.
Segundo Mendes (2008), o movimento pela adoção de agricultura de base ecológica no Acre foi iniciado por agricultores agroecológicos no Estado no início dos anos 90. Em meados de 1997 um conjunto de diversas instituições deu início ao projeto de implantação da agroecologia no Acre. Foram formadas parcerias em arranjos institucionais no período que culminou na capacitação em cerca de 3300 pessoas principalmente do município de Rio Branco.
Atualmente, a agroecologia no Acre já é uma realidade. O Estado conta com 320 agricultores orgânicos cadastrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, somando uma área de 20.403 ha de agricultura ecológica, e a área voltada para o extrativismo é estimada em 20.000 ha. Os produtos mais comercializados são a castanha-do-brasil, seringa, urucum, óleo de copaíba e artesanato. Os produtos agroecológicos são provenientes de roçados, quintais agroflorestais, hortas e pomares de pequenas propriedades agroecológicas sendo comercializados no mercado de Rio Branco. (BRASIL, 2005; MENDES, 2008).
O município de Xapuri, fundado a mais de um século, vivenciou o auge do extrativismo do látex e da castanha do Brasil no período compreendido entre as décadas de 40 até o final da década de 70. A partir da década de 80, com os incentivos à pecuária e a falência do modelo extrativista, grande parte de sua população rural migrou em direção a sede do município. Como resultado, passou a experimentar um crescimento urbano desordenado causando desemprego, invasões nas periferias e outras mazelas sociais. Nesse sentido, incentivar os estudantes e os moradores das comunidades rurais a implantarem sistemas de produção orgânica e de bases agroecológicas no entorno do Município, pode ser uma alternativa frente a migração do campo para a cidade, tendo em vista ainda que a economia do Município é basicamente voltada para o setor primário, agricultura e pecuária, destacando-se o extrativismo vegetal.
Cabe salientar que o município de Xapuri, também conhecido como sendo a Princesinha do Acre, é considerado o berço da Revolução Acreana e sua história está ligada intimamente a defesa das florestas e do meio ambiente como um todo, cujo líder sindical ilustre - Chico Mendes - ganhou reconhecimento mundial atuando em prol do movimento ecológico. Por meio dos chamados “empates”, manifestações pacíficas em que os seringueiros protegiam as árvores com seus próprios corpos, Chico Mendes participou ativamente das lutas dos seringueiros para impedir o desmatamento, além de organizar ações em defesa da posse da terra pelos habitantes nativos.
A modalidade do assentamento Polo Agroflorestal II é um PE, ou seja, Projeto Estadual, que visa realizar assentamentos obtidos e gerenciados pelo Estado, com vistas a recuperar áreas alteradas por meio da implantação de Sistemas Agroflorestais, mantendo a capacidade produtiva do solo, além de contribuir para a diminuição de desmatamentos, dirigido para populações abaixo da linha de pobreza.
O Governo do Estado, em 1999 realizou a compra da Fazenda Mariana, a fim de, transforma-la em um Polo Estadual Agroflorestal. No ano 2000, a Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar - SEAPROF, ficou com a missão de realizar a seleção das famílias que ocupariam a área. Foram selecionadas 35 famílias que se enquadraram no perfil e critérios. A distribuição dos lotes foi feita por meio de sorteio. No mesmo ano foram realizados mutirões para que as pessoas que ocupariam o Polo pudessem conhecer o local, quem seriam seus vizinhos, e iniciar a ocupação. Em 2002, o INCRA reconheceu o Polo como Projeto de Assentamento, passando a denominação de PE Polo Agroflorestal Xapuri II, viabilizando o acesso dos beneficiários aos direitos básicos estabelecidos para o Programa de Reforma Agrária. As famílias que residem no Projeto de Assentamento PE Polo Agroflorestal Xapuri II, vieram de Seringais, Colônias, e da própria cidade de Xapuri.
Os principais problemas observados e relatados pelos representantes da comunidade, estão relacionados ao uso ineficiente do solo, dos recursos naturais, o destino inadequado de resíduos de casas de farinhas e a ineficiência das principais atividades desenvolvidas no assentamento (Olericultura, fruticultura, avicultura e piscicultura). As intervenções à serem realizadas irão promover o aproveitamento dos recursos naturais (solos, água, fauna e flora) e também mão de obra disponível (homens e mulheres, jovens e adultos) na geração de trabalho, renda (comercialização dos produtos obtidos) e capital social realizando capacitação com base na agroecologia para formação de multiplicadores em: Olericultura, sistemas agroflorestais, beneficiamento do bambu, criação de galinhas caipira e piscicultura.
Diante disso, serão desenvolvidas práticas de conservação do solo para recuperação de um igarapé, que se encontra com a nascente assoreada e suas margens degradadas. O projeto também visa o desenvolvimento de ações para a melhor utilização dos resíduos da casa de farinha comunitária do assentamento. O processo de confecção da farinha e da goma resulta em um líquido, oriundo da prensagem da mandioca, que pode ser bastante contaminante se descartado de forma inadequada. Por outro lado, sabe-se que ele pode ser fonte de nutrientes para as plantas.
O Polo Agroflorestal de Xapuri II, também necessita de orientação com relação a criação de galinhas e peixes. Com relação a criação de galinha caipira na agricultura familiar, ela desempenha um papel muito importante na subsistência das famílias com a comercialização de ovos e aves, podendo funcionar como uma renda emergencial ou até como fonte principal de renda do produtor (ALBUQUERQUE et al., 1998). Outro importante fato a ser observado na criação de galinha caipira é a capacidade de integração de criação de galinhas com outras atividades agrícolas, agroindustriais, extrativistas, pecuárias, que são costumeiramente desenvolvidas pelo agricultor familiar, o que resulta na agregação de valor e maior remuneração por produto acabado (SAGRILO, 2002).
As aves criadas em sistemas mais naturais são submetidas a menos estresse do que aquelas nos sistemas de criação intensiva, em galpões com elevada população, e sua carne é considerada de melhor sabor e menor teor de colesterol (BARBOSA et al., 2007). No Polo Agroflorestal II a avicultura vem sendo desenvolvida de forma ineficiente, sendo importante a capacitação dos produtores para melhor utilização das instalações existentes e da mão de obra da comunidade.
Entretanto, com relação a piscicultura, a Amazônia dispõe de vários fatores que a favorecem como: clima, solos, água abundante e com qualidade e, principalmente, a diversidade da fauna ictiológica, com mais de 2 mil espécies (MELO et al., 2001). Na piscicultura é comum muito dos produtores iniciar a atividade sem nenhuma avaliação ambiental e sem considerar os riscos que a atividade pode trazer para o meio ambiente. Desse modo, a capacitação voltada para o monitoramento das instalações, da qualidade da água e do manejo dos peixes nos empreendimentos aquícolas deve ser frequente, e atender à legislação vigente para que a atividade não seja apontada e penalizada como causadora de impactos ambientais. No Polo Agroflorestal II a criação de peixe vem sendo desenvolvida com poucos recursos e sem assistência técnica especializada, trazendo riscos ao meio ambiente, sendo imprescindível o esclarecimento dos riscos que o manejo inadequado pode trazer aos recursos naturais da comunidade e os benefícios que a piscicultura pode trazer para a segurança alimentar e para a renda das famílias envolvidas no projeto.
Após a implantação do Polo Agroflorestal de Xapuri II, alguns anos a frente, em 2010, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre – IFAC iniciou suas atividades no estado do Acre e, concomitantemente, no município de Xapuri, oferecendo educação profissional em todos os níveis, como cursos técnicos e tecnólogos, em especial de agroecologia. Diante disso, é preciso motivar a sociedade e dos governos por meio de políticas públicas para o avanço da agroecologia no Acre, para a construção de alternativas em contraposição aos conhecimentos técnico-científicos acadêmicos associados a métodos e sistemas convencionais de produção agropecuária.
Nessa perspectiva, a adoção dos conceitos e princípios da agricultura de base agroecológica nas ações de Ensino, Pesquisa e Extensão do IFAC, Campus Xapuri, constitui-se não apenas em uma alternativa ao modelo convencional de produção, mas no reconhecimento dos saberes tradicionais da cultura do Acre, tendo como base orientadora a estrutura e função das florestas amazônicas.
O IFAC, durante o desenvolvimento de seus cursos, em particular aos cursos técnicos e tecnólogos de agroecologia, visa a formação de profissionais cidadãos e cidadãs, competentes em técnica, ética e política, para a prática dos princípios agroecológicos. Esta deve ser uma formação integral, que inclua ações de ensino, pesquisa e extensão, com foco na agricultura familiar e tradicional da Amazônia; na defesa dos direitos sociais das populações e povos tradicionais e das famílias camponesas; na conservação e justiça ambiental.
Esse profissional deverá desempenhar suas atividades no sentido de estabelecer novas formas de produção e consumo para a superação da crise ecológica e social, que sejam adequadas à realidade regional, por meio de uma relação horizontal e humana com as famílias camponesas e com o mundo do trabalho. Assim, há a importância do incentivo às ações interdisciplinares de pesquisa e extensão em Agroecologia, integrando a docentes, discentes e grupos de agricultores e agricultoras familiares e às demais instituições de pesquisa e assistência técnica que atuam na região.
O IFAC é uma instituição muito recente no Estado, esse ano completa seu sexto ano do início da primeira turma de estudantes. Nesse sentido, há uma necessidade eminente de estabelecer parcerias eficazes, solidárias e comprometidas com o desenvolvimento da agricultura familiar, para o fortalecimento da agroecologia, considerando as diretrizes da Politica Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.
Além disso, as atividades que serão desenvolvidas pelo Grupo de Estudos em Agroecologia de Xapuri – GEAX, visam promover o direito humano alimentação adequada e saudável, utilizando produtos orgânicos e de base agroecológica, de forma que os ecossistemas sejam conservados e aqueles que já foram alterados, voltem a ser recompostos. Assim, o estímulo a agrobiodiversidade será uma constante, especialmente aquelas ações que envolvam o uso e conservação dos recursos genéticos vegetais e animais, o manejo de raças e variedades locais, tradicionais ou crioulas;